Sabiá...Até um dia!

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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Elba Ramalho grava CD de inéditas rodeada de pernambucanos. Lenine acompanhou à distância


Christina Fuscaldo - O Globo Online
A cantora Elba Ramalho / Divulgação
RIO - Elba Ramalho foi uma das primeiras cantoras brasileiras a gravar músicas de Lenine. Em 1989, ela incluiu no disco "Popular brasileira" a canção "A roda do tempo", uma parceria do pernambucano com Bráulio Tavares. "Feitiço", assinada só por ele, foi parar em "Felicidade urgente", em 1991. "Leão do Norte", "Relampiando", "Lavadeira do Rio"... Ano após ano, o compositor ia emplacando suas letras em diversos álbuns dessa paraibana. De sua casa-estúdio no bairro carioca de São Conrado, por telefone, ela conta que acatou grande parte das sugestões que Lenine deu durante a produção de "Qual o assunto que mais lhe interessa?", seu novo disco (não todo) de inéditas, o primeiro em quase cinco anos. E que, mesmo depois de ele dar a notícia de que não poderia produzi-lo, ela continuou consultando o amigo e parceiro, até mesmo quando ele estava fora do Brasil.
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Escute 'Gaiola da saudade
Ouça 'Rua da passagem'
- Lenine idealizou o disco e começou a produção comigo. Depois, surgiram outros compromissos e ele teve que viajar. Ele perguntou se dava para esperar, mas eu quis continuar. Cheguei a me envolver com o (produtor britânico) Paul Ralphes, mas o Lula (Queiroga, pernambucano e parceiro de Lenine em vários trabalhos) apareceu e eu perguntei se ele aceitava continuar o trabalho. Mas mesmo assim, antes de todo passo que íamos dar, eu consultava o Lenine por telefone, porque ele estava fora do país - conta Elba.
Fluiu, porque a música por si vem como força divina
Lula Queiroga convidou o seu irmão Tostão e o seu sobrinho Yuri, que tocam na banda de Elba, para trabalhar com ele na produção do disco. Rodeada de pernambucanos no estúdio, a cantora aproveitou o clima para gravar um monte de músicas de artistas de lá. A primeira do álbum, "Gaiola da saudade", foi composta por Maciel Salú, filho do Mestre Salustiano, em parceria com Jam da Silva, percussionista da banda de Paula Toller, ex-F.U.R.T.O e autor da música "O pedido", que abre o disco de Roberta Sá.
- Jam e Salú são compositores da nova geração de Recife, que é muito bacana. Esses meninos são muito animados - explica a cantora.
Depois, vem "Noite Severina", "Dois pra sempre" e "Último minuto" (todas de Lula Queiroga, sendo a primeira uma parceria com o carioca Pedro Luís); "Rua da Passagem" (Lenine com o paulista Arnaldo Antunes); entre outras. Como não poderia deixar de ser, Elba homenageou o primo Zé Ramalho e um outro pernambucano da sua geração, Alceu Valença, com "A dança das borboletas":
- Encontrei com Alceu e contei que ia gravar "A dança das borboletas". Aí ele perguntou: "De que jeito?" Falei que estava ouvindo muito a versão do Zé. Ele disse que eu tinha que ouvir a dele, e mandou o disco para mim. Para não ter atrito, resolvi mesclar e gravar como o Zé em alguns momentos e como o Alceu em outros. Fluiu, porque a música por si vem como força divina. E, para mim, é fácil transitar nesse universo.
A cantora Elba Ramalho / Divulgação
Também parte desse grupo que veio do Nordeste para o Rio na década de 70, Geraldo Azevedo comparece no disco tocando violão na sua "Novena". Do seu conterrâneo Chico César, a cantora gravou "Amplidão". Do baiano Carlinhos Brown, que teve seus primeiros sucessos divulgados pela voz de Elba Ramalho, ela gravou "Argila".
- Tenho orgulho de dizer que fui uma das primeiras a gravar o Brown, de quem sou fã. Gravei música dele no início da década de 90. Acho que fui janela para vários compositores - reflete: - Eu queria que todos os músicos tivessem participado do disco, mas só deu para trazer Geraldinho, Carlos Malta, Hamilton de Holanda, Pedro Luís e a Parede... Ah, e tem o Frejat.
O líder do Barão Vermelho toca guitarra na faixa de Roberto Mendes e Capinam que, em parte, dá nome ao álbum. "Tempos quase moderno (Qual o assunto que mais lhe interessa?)" ganhou ainda um rap de Gabriel o Pensador.
- O Gabriel veio gravar comigo no estúdio que fica aqui na minha casa, deitou no sofá para escrever e pediu algo para comer. Eu sou péssima cozinheira, mas trouxe um sanduba. Ele compôs essa parte da letra e achei que ficou ótimo - diz.
Ainda serei uma sambista um dia
Além de xote, baião, rap e balada, Elba gravou ainda um samba em seu novo disco. "As forças da natureza" é praticamente uma homenagem a Clara Nunes, que foi quem gravou a composição de João Nogueira e Paulo César Pinheiro pela primeira vez.
- Eu era muito amiga de Clara e João Nogueira era meu camarada - lembra, antes de fazer promessa para o futuro: - Eu gosto de samba, porque é uma música de raiz. Ainda serei uma sambista um dia.
Com 28 anos de carreira, Elba Ramalho lança, em novembro (mês em que ela se apresenta no Rio), o DVD "Raízes e antenas", que traz participações de Lenine, Yamandú Costa, Geraldo Azevedo, Trombonada do Recife, Maestro Spok, Gabriel O Pensador, Margareth Menezes e Lula Queiroga. Gravado entre a Paraíba, o Rio de Janeiro e a Bahia, o DVD mistura show com documentário e mostra imagens da cantora ao lado do pai, João Nunes, de 90 anos:
- Visitei meu pai em Conceição, no sertão da Paraíba, onde cresci, e cantei uma valsa com ele. Ele era músico de orquestra, um boêmio que soube viver. Tenho a genética bem próxima dele.

DVD JOÃO NOGUEIRA 2010


Programa 'Ensaio', com João Nogueira, chega às lojas cheio de histórias e sambas do artista

João Pimentel


"É mais fácil compreender a morte do que a vida. O rio vai para o mar, se transforma em chuva e volta para o rio. Um pai deixa um filho, que vai se tornar pai lá na frente, e o filho dele também nasce, cresce e morre...". João Nogueira filosofa sobre a vida e a morte antes de encerrar o belo DVD do programa "Ensaio", produzido pela TV Cultura e que foi ao ar em 1992, com "Além do espelho" ("Se meu pai foi o espelho em minha vida/ Quero ser pro meu filho espelho seu"), dele e de Paulo Cesar Pinheiro. Em um depoimento emocionante, entremeado por músicas, João Nogueira, no auge da sua forma, conta sua vida, desde a infância no Méier, passando pelos primeiros passos na música, até chegar ao Clube do Samba e à saudade que sentia de Clara Nunes.
O DVD que chega às lojas é um documento precioso, que deveria ser visto por muitos cantores e compositores do samba atual. Nogueira, suburbano, malcomportado, inspirado ao extremo, foi um ótimo compositor - muito pouco cantado nos arredores da Lapa - e, principalmente, um dos maiores cantores do gênero. No programa, acompanhado apenas pelo violão encorpado de Jorge Simas e pela percussão de Freddy, ele deita e rola.
Na abertura, ele canta "Espelho" e lembra o próprio pai, um violonista que fazia festas musicais em casa para amigos músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim.
- Meu pai morreu quando eu tinha 10 anos. Mas sou apaixonado por ele até hoje. Era severo, mas não batia. Com o olhar eu sabia se ele estava satisfeito ou não. Soube há pouco tempo, pelo livro do João Máximo ("Noel, uma biografia"), que ele chegou a tocar com Noel. E se ele não fosse bom não estaria no livro do João - conta. - Eu me lembro dele me levando à Galeria Cruzeiro. Ia lá tomar uma biritinha. Agora virou banco. Neste país, tudo o que é bom está virando banco.
Clara (Nunes) foi muito importante. A morte dela foi talvez o momento mais triste da minha vida
Criado na Rua Magalhães Couto, Nogueira começou a trabalhar como office-boy e vitrinista aos 15 anos, para ajudar em casa. Mas sempre tinha tempo para as reuniões de uma turma ligada a música, comandada por Hélio Delmiro. Já arriscava uns versos quando sua turma do Méier criou um bloco, o Labareda, das cores vermelho e amarelo.
- Fui chamado para fazer o samba do primeiro desfile. Do segundo, do terceiro. O problema é que eu sempre ganhava a disputa e as pessoas ficavam chateadas. Ali, eu fui me profissionalizando, sem saber.
Então ele canta o tal primeiro samba, o ótimo "Entenda a rosa": "Eu já mandei para ela um botão de rosa amarela/ Para fazer renascer o grande amor da vida". A música foi gravada por Elizeth Cardoso. Antes, ele já tinha emplacado outra composição do Labareda, "Espere, oh, nega", gravada pelo grupo Nosso Samba. O sambista lembra com carinho do encontro com Elizeth.
- Eu era amigo do filho dela, o Paulo Cesar Valdez, que ouviu meus sambas e disse para eu procurá-lo para mostrar para a Elizeth. Mas achei que fosse coisa de porre e não liguei. Um ano depois, eu o reencontro, e ele reclama que ficou me esperando ligar. Então, promoveu o encontro com ela e o Hermínio, que estava selecionando o repertório. Cantei 12 sambas, e ele escolheu o primeiro - diz, antes de cantar o lindo "Corrente de aço".
Em seguida mostra "Mulher valente é minha mãe" e "O homem de um braço só", homenagem ao bicheiro Natal, que conheceu quando foi trabalhar em um banco em Madureira. Nessa época, ele já frequentava a Portela, sua escola de coração.
Nogueira conta que durante a ditadura chegaram a acusá-lo de fazer música para o governo, por causa de um samba chamado "Das 200 para lá", gravada por Eliane Pittman, sobre a lei que estabelecia limites do mar territorial, que desagradou o governo americano ("Esse mar é meu, leva esse barco pra lá").
- Saiu na revista "Time" e tudo. E eu trabalhando no banco, duro.
O sambista lembra que seu primeiro LP fez um certo sucesso, o suficiente para a produção do segundo, que o tornou nacionalmente conhecido com "Batendo a porta" e "Eu, hein, Rosa!", esta gravada brilhantemente por Elis Regina. Ele canta as duas e emenda com "Nó na madeira", do LP "Vem quem tem ", de 1975. Nogueira lembra com orgulho que "Mineira", do mesmo disco, foi feita com Clara Nunes ainda viva.
- Clara foi muito importante na minha vida. Ela era uma mulher que alegrava qualquer ambiente. Quando chegava, a alegria estava próxima. A morte dela foi talvez o momento mais triste da minha vida. Tentamos de tudo para mantê-la viva. Eu e Paulinho choramos muito para fazer "Um ser de luz" - diz, emocionado, antes de cantar o samba.

Apesar da emoção, o programa termina em alto astral, com João lembrando a reunião que teve com o jornalista Antônio Carlos Austregésilo de Athaíde para desenvolver a ideia de uma de suas principais obras, o Clube do Samba.