Sabiá...Até um dia!

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sábado, 24 de setembro de 2011

Jason Stanyek fala sobre a música brasileira na academia americana


Confira entrevista com o professor da New York University
Por Rachel Bertol
Rio de Janeiro





Jason Stanyek é professor da New York University (Foto: Renato Velasco)
Jason Stanyek é um apaixonado pela cultura brasileira. Fluente em português, joga capoeira, toca cavaquinho e adora rodas de samba. Além dessas afinidades com a brasilidade, possui também uma sólida carreira acadêmica, que atualmente inclui o cargo de professor na New York University (NYU) e a filiação ao departamento de Critical Studies in Improvisation da instituição. É editor de multimídia do Journal for the Society of American Music e, até 2013, fará parte de um projeto de pesquisa internacional chamado Improvisation, Community and Social Practice (coordenado pela Social Sciences and Humanities Research Council of Canada). Aproveitando que o Globo Universidade deste sábado, 24, é sobre rock e música, republicamos a entrevista com Stanyek, concedida originalmente em agosto de 2010, quando o pesquisador participou do seminário internacional Rumos da Cultura da Música, evento realizado em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Como professor, Stanyek ministra aulas de graduação e pós-graduação sobre música brasileira, cultura musical, teoria crítica, músicas da diáspora africana, world music, novas mídias e etnomusicologia. E uma curiosidade: todos os anos, ele ensina pagode e cavaquinho no California Brazil Camp na cidade de Cazadero.

Autor de inúmeros artigos, no momento, ele finaliza dois livros. O primeiro é sobre a produção musical brasileira nos EUA, no qual aborda o trabalho de músicos e dançarinos da comunidade de imigrantes no país. O segundo, que está escrevendo com Benjamin Piekut, professor da Southamptom University, tem como tema duetos póstumos, gravações realizadas a partir da “colaboração” entre um cantor vivo e outro morto. Nesta entrevista, Stanyek conta como começou a se interessar pela nossa cultura nos anos 1990 e sobre seus estudos na área musical e sonora.

Stanyek participou do Seminário Rumos da Cultura da Música (Foto: Renato Velasco)
Globo Universidade - Como você começou a se interessar pelo estudo acadêmico da cultura brasileira?
Jason Stanyek – Meus primeiros contatos foram entre 1993 e 1994. Na época, morava em San Diego, onde havia muitos clubes noturnos nos quais se tocava música brasileira. Eu adorava. Era a época da lambada e do axé. Eu tocava numa banda de jazz e nela havia um amigo meu que adorava música brasileira, embora não falasse português, nem conhecesse o Brasil. Ele sempre me dava canções para ouvir. Eu gostava, mas não estava, digamos, apaixonado. No verão de 1996, durante uma visita à minha família em Nova York, estava andando com meu walkman pela Broadway, quando escutei uma canção que mudou tudo. Era “Águas de março”, interpretada por Elis Regina. Foi como se o céu estivesse se abrindo: aquela música me tocou muito. Eu diria que invadiu o meu corpo e naquele instante mudou definitivamente a minha vida. Quando voltei para San Diego, envolvi-me com escola de samba, passei a tocar tamborim, cavaquinho e jogar capoeira. E foi através da capoeira que realmente me envolvi com o país. Aprendi português e me tornei parte da comunidade brasileira na cidade. Foi assim que comecei a escrever sobre a sua cultura. Em 1999, vim morar aqui. Passei cerca de um ano em São Paulo, conhecendo muitas pessoas, dando aulas de inglês, estudando capoeira – tentando, enfim, sobreviver. Desde então, eu volto muito. Só em 2010 já retornei três vezes. Após este período, finalmente comecei a perceber que a minha relação com a cultura brasileira não era simplesmente pessoal, mas dizia algo sobre o mundo em que vivemos. Em 2001, dei o meu primeiro curso sobre a história da música no Brasil. Eu uso a música para falar, na verdade, da história do país. Nessa época, eu dava aula na Universidade de Richmond. Depois, dei esse mesmo curso em outros lugares, como na Universidade de Nova York e em Harvard.

GU – Qual é o foco dos seus estudos?
JK - O meu principal projeto, no momento, é um livro que estou terminando sobre música e dança brasileira nos EUA. Estou trabalhando nele há quatro anos e está quase pronto. Realizei entrevistas nas maiores comunidades de brasileiros em Nova York, Boston, New Jersey, Chicago, Miami, San Diego, Los Angeles e São Francisco. Viajei por muitos lugares. No livro, eu conto a história da presença da música brasileira nos EUA, que não começa com a ida de Carmem Miranda ao país em 1939, como muita gente pensa. Há cem anos, na década de 1910, houve um período em que o maxixe foi muito popular entre os americanos. Por volta de 1913 e 1914, já havia gravações de Ernesto Nazaré que faziam sucesso no país. Há ainda o grande momento com a Bossa Nova, cuja internacionalização ocorreu a partir de Nova York, nos anos 1960. Mas meu livro não é propriamente sobre isso, mas sobre o que acontece depois de meados dos anos 1980, quando uma leva muito grande de brasileiros começou a formar uma comunidade significativa nos Estados Unidos. Não se sabe ao certo, mas fala-se de um milhão de pessoas, ou até 1,5 milhão. É muita gente. Eu tento descobrir o que aconteceu nestes últimos 20 anos, não apenas com as estrelas, mas com os músicos e os dançarinos dessas comunidades. É com eles que você tem, por exemplo, a chegada da capoeira, muito importante para disseminar a cultura brasileira. Hoje, toda grande universidade nos EUA tem grupos de capoeira.

O professor ensina pagode e cavaquinho no California Brazil Camp (Foto: Renato Velasco)
GU - O que mais chamou a sua atenção ao longo da pesquisa?
JS - Após uma temporada em Harvard e depois em Stanford, finalmente, comecei a entender que a vida dessas pessoas era muito interessante e poderia ser contada. São músicos e dançarinos que, além de artistas, trabalham para sobreviver e de certa forma são empreendedores. Há toda uma economia relacionada aos imigrantes. As pessoas enviam dinheiro para o Brasil conseguido com aulas de samba. Estou interessado nessas histórias e em como se negociam relações através da música e da dança. A identidade, nesse caso particular, está sempre em movimento. É interessante ver que a brasilidade também é uma maneira de ganhar a vida. Nos EUA, por exemplo, há muitos brasileiros que foram estudar música experimental ou clássica, e acabaram por se envolver com a música brasileira. Era o que se esperava deles e eles passaram a gostar. Acabaram descobrindo as suas raízes. É o caso da cantora carioca Luciana Souza, muito famosa nos EUA, e muito boa. Ela veio para o nosso país inicialmente para estudar jazz.

Stanyek conta como começou a se interessar pela cultura brasileira (Foto: Renato Velasco)
GU - Em quantos projetos, além desse livro, você está envolvido no momento?
JS - Estou escrevendo, já faz algum tempo, um livro com meu colega Benjamin Piekut, sobre o que chamamos de duetos póstumos, o tema da palestra que eu vim ministrar no Brasil. Esses duetos envolvem a “colaboração” entre um cantor morto e outro vivo. Isto não é algo que ocorra raramente, mas com bastante frequência: há centenas de gravações desse tipo. Inclusive, no Brasil há gravações de duetos póstumos muito famosos. Em 1995, foi lançado no país um CD chamado “Clara Nunes com vida”, em cujo título havia um jogo de palavras com o verbo “convidar”. Clara Nunes (que morreu em 1983) canta no disco com músicos famosos como Chico Buarque, Gilberto Gil e Beth Carvalho. Eu acho que foi o primeiro CD inteiramente gravado com duetos póstumos. Quando cheguei ao Brasil, em 1999, era muito difícil ter acesso a CDs de Clara Nunes. Um dos poucos disponíveis era este e foi assim que entrei em contato com sua arte. Nessa época, eu estava terminando meu doutorado sobre música intercultural, que envolve a colaboração de músicos de diferentes lugares, e me lembro de ter ido a uma Blockbuster, que não existe mais nos EUA, e ficara muito intrigado ao ver, num aparelho de TV, Celine Dion cantando com Frank Sinatra. Eu achei que aquilo dizia muito sobre o mundo em que vivemos e fiquei pensando que nome eu daria àquele tipo de colaboração. Era intercultural, também, pois ela é canadense e ele americano, são pessoas de gerações diferentes, mas havia um detalhe muito importante: ela estava viva e ele morto! Pensei muito e cheguei, enfim, à palavra intermundane, traduzida para o português como “intermundano”. Basicamente, refere-se à colaboração entre diferentes mundos, o dos vivos e o dos mortos. E isto é parte da nossa condição contemporânea: nós interagimos com os mortos num grau jamais visto em nenhum outro momento da nossa história. No livro que estamos escrevendo, falamos da “produtividade” dos mortos, que não param de gerar capital só porque morreram. Às vezes, como vimos no caso de Michael Jackson, há uma espécie de aumento ou intensificação da possibilidade de gerar capital. Quando o artista morre, seu valor é reavaliado, e ele pode valer mais do que antes. A revista Forbes, uma das mais influentes do mundo na área financeira, faz todo ano uma lista dos dez mortos mais ricos do mundo. Sim, é algo engraçado, e este projeto é assim: permite muitas brincadeiras, mas também é muito sério. Algo que diz muito sobre o mundo em que vivemos. Esses duetos envolvem questões econômicas, legais e musicais.

GU - Há outras pesquisas em que esteja envolvido?
JS - Sim. Estou terminando a edição de um grande livro (com o pesquisador da Universidade de Minnesota Sumanth Gopinath), que será publicado pela Oxford University Press, a respeito da mobilidade e das tecnologias para se ouvir música, como celular ou Ipod. Reunirá artigos de pesquisadores dos mais diversos campos. Também estou editando, junto com minha colega brasileira Alessandra Santos, professora de literatura na Universidade de Utah, a edição de uma revista acadêmica com o tema “improvisações brasileiras”. Vamos tratar de improvisações de todo tipo, como as da música, do teatro, do cinema – Walter Salles nos oferece um caso, pois é famoso por deixar os atores improvisarem no set de filmagem. Haverá ainda artigos sobre planejamento urbano, por exemplo, sobre como as favelas vão se formando de maneira improvisada. Em português, há também muitas palavras e expressões que remetem a improvisações, como jeitinho, malandragem, malícia. Queremos mostrar como os brasileiros veem a improvisação nos mais diversos aspectos.

O pesquisador revela que tem muitos projetos relacionados ao Brasil (Foto: Renato Velasco)
GU - No ensino acadêmico americano, que mudanças verificou a respeito dos estudos sobre o Brasil desde que começou a atuar nesse campo?
JS - Mudou muito. Hoje em dia, há uma quantidade de estudos sobre o país como nunca houve antes. As pessoas nos EUA se deram conta, finalmente, de que o Brasil é um país muito importante e que aprender o português pode ser útil, não apenas culturalmente, mas economicamente. Muitas pessoas acabam se apaixonando pelo Brasil, especialmente através da música, o principal meio para chamar a atenção sobre sua cultura. Por exemplo, todos os professores de literatura brasileira nos EUA que eu conheço utilizam canções em suas aulas, apresentando letras de Chico Buarque, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes. A música é um passaporte para a cultura brasileira.

GU – E os planos para o futuro?
JS - Tenho muitos projetos ligados ao Brasil. Por exemplo, gostaria de realizar um seminário ou encontro sobre a música brasileira produzida fora do país. Mas tenho outros também. Eu quero muito estudar o som, campo de estudos que é novo. Gostaria de fazer algo sobre o silêncio, neste momento em que tanta gente estuda o barulho, o ruído. Quero falar do silêncio na cidade, não do campo. Estou agora escrevendo um artigo sobre os fones de ouvido que bloqueiam o barulho. Sobre o Brasil, gostaria de destacar uma grande pesquisa que realizei no ano passado em Madureira, no pagode da Tia Doca. A partir dessa pesquisa, escrevi um artigo bastante grande, com meu colega Fabio Oliveira, sobre uma letra de Guará, um ótimo compositor carioca, embora pouco conhecido. A música se chama “Sorriso aberto” e foi gravada por Jovelina Pérola Negra. Fez muito sucesso e, nos anos 1980, foi muito importante para a comunidade de pagode carioca. Agora, nós vamos entrevistar Iara, a filha de Guará, para ter mais informações sobre ele. Quero publicar também essa entrevista. Eu adoro pagode, sou pagodeiro, e adoro pensar o Brasil através deste ritmo, muito importante na história da sua música. Há uma poesia muito importante nessas canções. É uma experiência forte ir à zona norte do Rio de Janeiro, no terreirão da Tia Doca, e passar a noite ouvindo essas músicas que falam sobre a história do país de maneira tão vibrante. Estou escrevendo sobre pagode para conhecer melhor o Brasil.