Sabiá...Até um dia!

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domingo, 1 de maio de 2011


Atrito com Ivete Sangalo, choro de Roberto Carlos, confissões de Milton Nascimento e chilique de Tom Zé vão parar em livro


Christina Fuscaldo - O Globo Online
O livro 'A MPB de conversa em conversa' / Divulgação

RIO - Caetano Veloso estava há 17 anos sem fazer show no Espírito Santo e, mesmo assim, sua assessoria não liberou entrevistas. Depois de duas semanas tentando travar um contato, José Roberto Santos Neves escreveu uma matéria para a capa do caderno de cultura do jornal capixaba "A Gazeta", chamada "Como querer caetanear", comentando a ausência do cantor no estado. O jornalista foi ao show com o jornal em punho, que foi entregue à assessora de imprensa. Minutos depois, veio a notícia: "O Caetano vai dar entrevista, sim, mas só para o seu jornal". Essa e muitas outras histórias de bastidores da reportagem estão reunidas no livro "A MPB de conversa em conversa", que José Roberto, hoje editor do caderno que impressionou Caetano, lança nesta sexta-feira, na Modern Sound, em Copacabana.

Logo no início do livro, o jornalista de 36 anos (e pouco mais de 13 de carreira) dedica seu trabalho a Clara Nunes e Maysa, duas cantoras que, por questão de época, não foram entrevistadas por ele
 que, para minimizar a frustração, publicou em 2005 "Maysa", a primeira biografia dedicada à cantora. Mas quarenta dos medalhões com quem conversou entre 1995 e 2005 estão lá nas 365 páginas.
- Foram muito mais do que 40, fiz mais de 400 entrevistas. Foi uma atividade intensa, sempre com o objetivo de reunir os bastidores em um livro. São histórias que não são publicadas no jornal, que a gente acaba eliminando por falta de espaço. Elas revelam como é a luta para conseguir uma entrevista, ainda mais quando você não está no Rio ou em São Paulo, mas num lugar onde Caetano Veloso não faz show há 17 anos - diz José Roberto.
Me perguntaram porque coloquei a entrevista com Ivete Sangalo no livro. Ué, ela não canta música popular brasileira?
Vencendo obstáculos, José Roberto entrevistou Gilberto Gil, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Zé Ramalho, Alceu Valença, Dori Caymmi, Jorge Aragão e vários outros "grandes nomes". Ele estava lá quando Roberto Carlos se debulhou em lágrimas em uma das primeiras coletivas de imprensa após a morte de Maria Rita, sua esposa. Ele ouviu o desabafo de Milton Nascimento sobre a falta de respeito de jornalistas quando seu quadro de diabetes piorou. O jornalista conversou com Paulinho da Viola sobre o mal-estar com Gilberto Gil por causa de valores de cachês de shows. E ouviu Elza Soares declarar que o Brasil é um país racista.
- Me preocupei também em colocar as discussões que marcaram a indústria fonográfica: a cruzada do Lobão contra o jabá; a pirataria; asuntos pontuais e históricos, como a participação de Milton Nascimento no Clube da Esquina e a do Caetano na Tropicália. Não tive preconceito com relação a estilos musicais, porque o conceito de MPB está pulverizado. Me perguntaram porque coloquei a entrevista com Ivete Sangalo no livro. Ué, ela não canta música popular brasileira? Mas, claro, isso não quer dizer que sou fã de Ivete ou que ache que ela está no mesmo patamar de Chico Buarque.

O escritor José Roberto Santos Neves, autor do livro 'A MPB de conversa em conversa' / Divulgação / Claudio Postay

Aliás, Ivete Sangalo talvez possa ser considerada a segunda personagem polêmica do livro depois de Angela Ro Ro. Esta deligou o telefone na cara de José Roberto duas vezes antes de dar a entrevista. Já a baiana não fez nenhum tipo de grosseria. Ela deu uns foras no jornalista, mas, em contrapartida, citou o nome dele no palco. No livro, ele também morde e assopra:
- Na entrevistei, ela disse que tudo na Bahia era divino e maravilhoso. Aí, perguntei se ela colocava Chiclete com Banana, Asa de Águia e É o Tchan no mesmo caldeirão de Caetano, João Gilberto e Dorival Caymmi. Ivete disse que era nova demais para saber a diferença entre a música boa e a medíocre. Eu disse que tinha a mesma idade dela, na época 28 anos, e estava perguntando. Aí ela respondeu que era melhor fazer disco ruim do que cheirar cola ou assaltar. Depois, me pediu opinião sobre bandas do Espírito Santo e eu falei da Casaca. Ela cantou música deles e citou a fonte, eu, coisa que artista não faz.
No meio, pedi para o Tom Zé repetir algo que não entendi e ele começou a dar um chilique. Foi muito grosso comigo
Tom Zé também não foi lá muito simpático quando descobriu que José Roberto não estava gravando a entrevista que fazia por telefone. Mas o jornalista conseguiu contornar a situação e continuar a entrevista.
- Na hora de eu ligar para ele, o aparelhinho para ligar o gravador no telefone sumiu. Aí, no meio, pedi para o Tom Zé repetir algo que não entendi e ele começou a dar um chilique. Foi muito grosso comigo. Esperei passar a crise para explicar que o aparelho sumiu e que não queria perder a entrevista, porque ele era um cara importante, fundamental para a história do Tropicalismo. Foi engraçado. A gente leva foras porque lida com a vaidade do artista - lembra José Roberto.
José Roberto é neto do folclorista Guilherme Santos Neves e sobrinho dos romancistas Luis Guilherme e Reinaldo Santos Neves, todos do Espírito Santo. Ele toca bateria e já integrou duas bandas, The Rain e Big Bat Blues Band. Em 1995, lançou como projeto de graduação o caderno Fanzine, dedicado ao mercado alternativo, que existe até hoje no jornal "A Gazeta".