Sabiá...Até um dia!

Sabiá...Até um dia!

sexta-feira, 9 de março de 2012

LUIZ GONZAGA É CEM: HOMENAGEM DE CLARA NUNES


A mineira Clara Nunes, que nos deixou precocemente em 02/04/1983, cantou como ninguém o lamento sertanejo de João do Vale, o baião sofrido de retirante de Luiz Gonzaga e as dores do peito da raça negra. E também seus orixás. Ela própria uma filha de santo que teve a “cabeça feita” por pai Edu de Olinda.

Afirmo isso porque, em pelo menos duas reportagens publicadas no jornal Folha de São Paulo (11/09/1975) e na Revista Amiga (20/04/1983), falou-se abertamente que a cantora era filha de santo de Pai Edu, babalorixá do terreiro Palácio de Iemanjá, em Olinda, em cujas paredes são exibidas orgulhosamente fotos do ritual no qual a cantora teria sido consagrada a Oxum no Rio Capibaribe.

A própria Clara Nunes em certa ocasião chegou a dizer: “Sou muito supersticiosa. Não visto preto, não deixo porta de armário aberta, não coloco sapatos em cima do armário e só canto de branco. É uma cor que transmite paz, coisa boa para o público. Dá uma aura legal. Sou também muito mística. Para começar, na minha religião, quando a gente faz a cabeça, assume certas obrigações e deve cumpri-las. Eu sigo tudo à risca. Mesmo as coisas que eu adoro, eu deixo de fazer. Comer doce de abóbora, por exemplo. É comida do meu santo. Eu não posso comer. Não como.”

Não se esqueçam que ela gravou uma música chamada "Homenagem a Olinda, Recife e Pai Edu". Muitos dizem que, quando Paulo César Pinheiro tornou-se produtor musical e marido da estrela, houve o seu completo afastamento do Palácio de Iemanjá. Afirmam que isso foi consequência do fato de que aquele compositor não era muito chegado à religião da esposa. Não me convenço muito disso, mas leiam o que foi publicado na época.

Clara Nunes já era uma cantora de grande reconhecimento nacional e seu casamento com Paulo César Pinheiro foi um acontecimento de grande divulgação pela imprensa. Um dos assuntos mais comentados sobre o evento foi o fato de Clara ter convidado um padre, ao invés de um pai de santo para celebrar a cerimônia. Para piorar, em entrevista, Pai Edu relatou que só ficou sabendo do casamento de Clara Nunes pela Revista Amiga, o que muito lhe chateou, pois, segundo ele, a cantora teria lhe dito que se casaria em seu terreiro. À época, Clara respondeu em uma entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, de 11/09/1975, que Pai Edu havia sido envolvido pela imprensa, pois ela nunca lhe prometeu casar no seu terreiro, apenas disse que um dia, quando pudesse, iria lá somente para ser abençoada. O fato é que, após esse episódio, Clara se afastou da casa de Pai Edu e não mais foi encontrado nenhum indício de que ela tenha se ligado diretamente a outro pai de santo ou terreiro, apenas foi constatado o fato de que ia esporadicamente ao terreiro de Vovó Maria Joana Rezadeira, a Tenda Espírita Cabana de Xangô, no Rio de Janeiro.

Quando Clara Nunes interpretava aquele tipo de música que lembrava sua religião ou sua ligação com o continente africano, parecia que ganhava uma energia especial vinda já se sabe de onde. Algumas noites do programa Fantástico, da Rede Globo, nos mostraram uma Clara como que em transe ao cantar algumas pérolas musicais dedicadas aos orixás ou à mãe África de nós todos.

Quando ela resolveu gravar “Pau de Arara”, baião com levada de maracatu de Luiz Gonzaga e Guio de Moraes, já se esperava que a sua gravação fosse a definitiva para esta música. E foi, pois ela a transformou num “sambaião” de altíssimo valor artístico, ajudada pela equipe fenomenal de músicos que a acompanhou. Consta do seu memorável disco “Alvorecer”, de 1974. Os arranjos fazem a mistura de triângulo e zabumba com instrumentos de percussão típicos do samba, acrescidos de um cavaquinho. De quebra, uma orquestra de cordas para deixar tudo ainda mais bonito. Uma página sonora digna de constar em qualquer antologia da Música Popular Brasileira.

Lembrar dessa gravação no ano do centenário de Luiz Gonzaga era uma coisa mais do que necessária,é uma obrigação, afinal foi cantando “Pau de Arara”, “Oricuri”, “Sabiá”, “Viola de Penedo” e “Feira de Mangaio” que a Clara guerreira se tornou inesquecível para os nordestinos. E todos nós somos muito gratos a ela!

Para ouvi-la cantando “Pau de Arara”, de Luiz Gonzaga e Guio de Moraes, basta clicar aqui. É muito salutar acender a chama da lembrança de Clara Nunes neste dia dedicado às mulheres e neste ano em que ela faria 70 anos, uma vez que nasceu em 12/08/1942.

Abençoada seja Clara, sempre, a filha de seu Mané Serrador e dona Amélia Gonçalves Nunes!