Sabiá...Até um dia!

Sabiá...Até um dia!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010




MÃ E  ÁFRICA  
Fiquei surpreso com a quantidade de terreiros que se dedicam ao candomblé em Porto Alegre e impressionado porque quase todos eles desenvolvem trabalhos voltados às crianças e adolescentes. Cito como exemplo a Associação Clara Nunes situada no Morro da Polícia e vinculada a um desses terreiros. Que maravilha!
Sendo simpático ao candomblé, me alegrei ao constatar o grande número de pais e mães de santo da religião africana na terra de Érico Veríssimo: Cleusa de Oxum, Mãe Maria de Oxum, Mãe Carmen de Oxalá, Pai Aúreo de Ogum, Mãe Vera de Oyá, Babá Diba de Yemanjá, Mãe Norinha de Oxalá, Mãe Gina de Bará, Paulete da Oxum, Mestre Chico de Xangô e Baba Alexandre Gabriel de Xangô. São só alguns exemplos.
Apurei também que em maio de 2008 houve uma festa tão importante dos afro-descendentes no Largo Zumbi dos Palmares que estiveram presentes mais de vinte prefeitos e outras autoridades de Moçambique que vieram se confraternizar com os co-irmãos gaúchos num formidável intercâmbio cultural.
É numa hora dessas que a gente deve se lembrar de Sivuca, um albino que se considerava filho da mãe África, porque ele fez a melodia e Paulo César Pinheiro, por orientação dele, fez a letra de uma das mais belas canções brasileiras:Mãe África. Prestem atenção nos versos iniciais desta música. Que verdades são lançadas na nossa cara!
A melhor gravação que ganhou Mãe África foi a de Clara Nunes, uma filha de santo que teve a “cabeça feita” por pai Edu de Olinda. Digo isso porque em pelo menos duas reportagens publicadas no jornal Folha de São Paulo, de 11/09/1975, e na Revista Amiga, de 20/04/1983, falou-se abertamente que a cantora era filha de santo de Pai Edu, babalorixá do terreiro Palácio de Iemanjá, em Olinda, em cujas paredes são exibidas orgulhosamente fotos do ritual no qual a cantora teria sido consagrada a Oxum no Rio Capibaribe.
A própria Clara Nunes em certa ocasião chegou a dizer: “Sou muito supersticiosa. Não visto preto, não deixo porta de armário aberta, não coloco sapatos em cima do armário e só canto de branco. É uma cor que transmite paz, coisa boa para o público. Dá uma aura legal. Sou também muito mística. Para começar, na minha religião, quando a gente faz a cabeça, assume certas obrigações e deve cumpri-las. Eu sigo tudo à risca. Mesmo as coisas que eu adoro, eu deixo de fazer. Comer doce de abóbora, por exemplo. É comida do meu santo. Eu não posso comer. Não como.”
Não se esqueçam que ela gravou uma música chamada “Homenagem a Olinda, Recife e Pai Edu”. Mas é importante registrar que, quando Paulo César Pinheiro tornou-se produtor musical e marido da estrela, houve o seu completo afastamento do Palácio de Iemanjá. Isto foi consequência do fato de que aquele compositor não era muito chegado à religião da esposa. Está convencido? Não? Então leia mais:
Clara Nunes já era uma cantora de grande reconhecimento nacional e seu casamento com Paulo César Pinheiro foi um acontecimento de grande divulgação pela imprensa. Um dos assuntos mais comentados sobre o evento foi o fato de Clara ter convidado um padre, ao invés de um pai de santo para celebrar a cerimônia. Para piorar, em entrevista, Pai Edu relatou que só ficou sabendo do casamento de Clara Nunes pela Revista Amiga, o que muito lhe chateou, pois, segundo ele, a cantora teria lhe dito que se casaria em seu terreiro. À época, Clara respondeu em uma entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, de 11/09/1975, que Pai Edu havia sido envolvido pela imprensa, pois ela nunca lhe prometeu casar no seu terreiro, apenas disse que um dia, quando pudesse, iria lá somente para ser abençoada. O fato é que, após esse episódio, Clara se afastou da casa de Pai Edu e não mais foi encontrado nenhum indício de que ela tenha se ligado diretamente a outro pai de santo ou terreiro, apenas foi constatado o fato de que ia esporadicamente ao terreiro de Vovó Maria Joana Rezadeira, a Tenda Espírita Cabana de Xangô.
Volto ao assunto principal: quando Clara Nunes  interpretava esse tipo de música que lembrava sua religião ou sua ligação com o continente africano, parecia que ganhava uma energia especial vinda já se sabe de onde. Algumas noites do programa Fantástico, da Rede Globo, nos mostraram uma Clara como que em transe ao cantar algumas pérolas musicais dedicadas aos orixás ou à mãe de nós todos.
O acompanhamento musical da gravação de Mãe África foi do próprio autor da música, mestre Sivuca, mais um conjunto de músicos da pesada porque Sivuca não se ligava nessa área com qualquer um.
Agora, sim, fiquem com o misticismo de Clara Nunes cantando Mãe África.
Um axé para todos!
> Clara Nunes, uma cantora de raízes místicas que após o casamento declarou: “não sou cantora de macumba” .
Ouça “Mãe África” (LP Nação, 1982): http://www.luizberto.com/?p=163537

Enviado por Artur Xexéo 14.10.2010