Sabiá...Até um dia!

Sabiá...Até um dia!

ARTUR DA TÁVOLA,BETH CARVALHO,COLETÂNEAS




25 ANOS SEM CLARA NUNES
(ARTUR DA TÁVOLA)

Clara Nunes ousou cantar samba e temas afro-brasileiros em fase na qual o gênero viveu período de esquecimento, abandono, desinteresse. O fenômeno deu-se pouco depois do movimento conhecido como tropicalismo, quando, por causa da ampliação do processo de internacionalização, a indústria do disco buscou um som próximo do mercado internacional, foi invadida pelo rock; intelectualizou-se. Os anos finais da década de sessenta, marcam: a emersão de Roberto Carlos que se afasta dos ritmos nacionais; o sucesso da tropicália que embora brasileiríssima no conteúdo popular de suas manifestações, estranhamente afastou-se de nossos ritmos. Foi fase de preponderância do discurso literário.
A expansão das multinacionais do disco, com produtos de consumo internacional; a internacionalização dos fenômenos sociais e existenciais mercê da entrada em funcionamento do satélite artificial; o sucesso do rock como espetáculo de multidões, a somar não apenas música porém inúmeros outros elementos peculiares do então nascente espetáculo de multimídia. Tais fenômenos ampliam-se a partir de fins da década de sessenta, agudizam-se na de setenta e de certa forma se diluem na de oitenta, obtendo, em contrapartida, maior participação no metabolismo geral do consumo de música. Clara Nunes surge de dentro desse quadro adverso para o samba. E vem à tona luminosa, iluminada e bela.Estava o Brasil sob fera ditadura militar. A música e a arte foram as formas possíveis de expressão do protesto, embora sob crescente censura. Os meios de comunicação ajudaram a resistência democrática, ao apoiar manifestações artísticas de rebeldia, em todas as direções. Nada obstante a sua importância, tais manifestações, quando no campo da música popular, raramente apareciam dentro dos ritmos brasileiros típicos. Parece que a predominância do discurso impunha a libertação dos rigores métricos derivados da obediência ao ritmo. Os novos tempos traziam sopros de internacionalização e como era importante observar o protesto, deixou-se de observar a falta de ritmo brasileiro na maioria das manifestações.
Fiel ao samba permaneceu muito pouca gente dentre os que valentemente utilizaram-se do protesto musical como forma de discurso político possível. Chico Buarque de Hollanda, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e alguns outros dentre os compositores deferidos pela elite e, é claro, o povo em suas manifestações. Para este o samba jamais deixou de existir e resistir. Passou a ser “político”, igualmente, um tipo de discurso de liberdade existencial, de defesa do meio ambiente, de defesa de princípios pacíficos e anti-militaristas. Sem rtimo de samba, porém.Clara Nunes enfrenta essa situação. Sua forma de protestar vem através de uma resistência cultural tanto na manutenção do ritmo do samba como na afirmação de valores afro-brasileiros. Para surpresa dos estrategistas do mercado, ela deu certo em plena era de ascenção do rock. Começava a fase da maturidade da artista, quando morreu. O Brasil sentiu profundamente a perda de sua notável representante.Quando Clara clareou, começos da década de setenta, refugiava-se o samba, na sempre heróica resistência negra, através dos pagodes, das rodas de samba, do partido alto, das escolas de samba ou de cantoras importantes mas marginais do mercado como as grandes Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Elza Soares, esta, com notável senso rítmico, contudo marcada pelo be bop (nada contra) na interpretação.
A figura de comunicação de Clara Nunes trazia ao povo brasileiro uma personagem simbólica de algumas de suas características: a mestiçagem, o cabelo crespo, a sensualidade expressa na feminilidade, a boca atraente, saudável, pronta para o riso, o corpo sólido e forte, o olhar repleto de graça e bondade, já que malícia, picardia, ironias e deboches não eram peculiares a seu rosto e às suas expressões faciais. Mistura de mulher ao gosto conservador com a graça ingênua e irresistível da feminilidade interiorana. Flor de brasilidade.Tais características físicas, apresentavam-se em moça sem qualquer arrogância, feliz pelo sucesso; havendo partido da atividade de operária tecelã para a vitória em arte musical, a única, ao lado do desporto, capaz de trazer pessoas de origem humilde a formas de subida de status, ademais negadas à maioria do povo por um processo social discriminatório e injusto, feito, todo ele, para privilegiar classes dominantes, oligarquias e elites econômicas. Dona de tais características peculiares, ademais alma sadia, enorme coração e sentimento popular, eis o tempero necessário para a plena aceitação de seu povo.Estrela de seu povo, assim luziu, linda, Clara Nunes.O povo percebia na figura de comunicação de Clara Nunes uma forma de identificação. Era alguém como qualquer outra e que conseguira o sucesso mas uma vez conseguido, jamais se tornara "um ou uma deles". Mantivera características de simplicidade, cordura e limpeza d'alma indispensáveis à aceitação dos vitoriosos. Mais: sua arte trazia o canto do povo e não o das elites.
O povo identifica com clareza os artistas que o representam. Os meios de comunicação, dominados pela intelectualidade ou pela ideologia da classe média, em geral destacam, apenas, artistas afinados com esses dois universos (intelectualidade e classe média). Eles acabam por funcionar como poder, distribuindo títulos de qualidade e determinando quem é "bom", quem é o "melhor" etc. Nem sempre, porém, ou quase nunca, o povo se guia por tais ditados. Ele possui formas próprias de identificação que resistem às imposições ou disposições do poder cultural. Assim ocorreu com Clara Nunes. Era no máximo "aceita" pelo poder cultural. Este, jamais a deferiu como artista maior, acabando por render-se quando as evidências de seu sucesso e a profundidade de sua aceitação, impuseram-lhe a personalidade artística. Clara emergiu do povo para as elites, o que acentua a sua força pois em geral artistas não deferidos pelos meios de comunicação custam muito mais a aparecer e mesmo quando refulgem nem sempre conseguem durar na preferência popular. Ela conseguiu. Por si mesma.
Mercê dos dons, da missão e das mensagens com as quais o Mistério a dotou. Como cantora, Clara Nunes possuía voz de soprano lírico dramático. Não era impostada por estudo e técnica. Espontânea, natural, com índices razoáveis de intensidade e extensão para o canto popular mas, sobretudo, ressaltava-se-lhe o timbre de teor morno e sedutor. Com seu amadurecimento vocal, os registros médios e os pianíssimos ficaram muito belos como sonoridade. Havia um halo de energia positiva no que emitia e isso se transmitia para a populaçãoA feminilidade saltava-lhe através das formas discretas mas expressivas e sensuais com as quais movia o corpo ao ritmo das músicas, ao cantar. A sensualidade de Clara Nunes jamais foi explícita, extrovertida ou artificialmente acentuada. Fluía naturalmente, a partir de sua moderação. Estava na respiração, no olhar, na feminilidade natural. Incorporou, ademais, Clara, a seu canto, outro elemento provindo das camadas populares e peculiares aos setores oprimidos e marginalizados da sociedade brasileira: os pontos de umbanda, a espiritualidade, a roupa branca. Em fase de valorização de idéias e comportamentos oriundos do materialismo, ela ousou trazer a religiosidade profunda dos segmentos negros da sociedade brasileira, fundindo-os no produto final e mesclado das várias formas afro-brasileiras que fez questão de divulgar. Tais elementos, objetivos e subjetivos, talvez expliquem parte dos mecanismos de comunicação inclusos na figura e na arte de Clara Nunes.
Alguma coisa de funda e comovente toca a sensibilidade de quem a escuta. Há muito de fêmea e de guerreira de flores a escapar de seu canto. Há algo de ingenuidade e meninice. Há a simplicidade das regiões do interior do País. Há negro e branco. Em suma, trata-se de artista capaz de sintetizar inumeráveis profundidades em seu modo de ser e de se expressar. Emblema polissêmico de um povo e de um país. Imortal, portanto.


"assunto encerrado"


Um time de 16 convidados ilustres divide com Beth Carvalho e banda de 20 músicos a interpretação de 30 pérolas em disco e DVD que mostram o melhor do samba da Bahia
(Ailton Magioli)
Por ordem de entrada, depois de Danilo (Maracangalha), Beth canta com Daniela Mercury (Chiclete com banana), Carlinhos Brown (Hora da razão), Riachão (Cada macaco no seu galho e Vá morrer com o diabo), Gilberto Gil (Mancada e um pout-pourri de sambas-de-roda, em um dos melhores momentos do DVD) e Mariene de Castro e Roberto Mendes (Raiz). E mais, Armandinho (O ouro e a madeira), Edil Pacheco (Siriê), Margareth Menezes (Dindinha lua e Filha da Bahia, essa também com o autor Walter Queiroz), Maria Bethânia e Caetano Veloso (De manhã e Desde que o samba é samba, essa apenas com Caetano), Ivete Sangalo (Brasil pandeiro), Nelson Rufino e Olodum (Verdade) e, somente com o Olodum (Ê baiana, sucesso da “saudosa” Clara Nunes, segundo diz) também participam da festa do samba baiano, comandada por Beth Carvalho. Vestida de baiana, à la Clara Nunes, Beth Carvalho abre o show com Quem samba fica, de Tião Motorista e Jamelão, com direito a versos feitos exclusivamente para a ocasião, por Arlindo Cruz. Pivô de polêmica recente em que teria dito que Clara Nunes copiava sua maneira de se vestir de branco, Beth garante que o assunto está encerrado: “O DVD cala a boca de todo mundo porque há uma homenagem que faço a Clara”, esclarece, citando a interpretação de Ê baiana como reverência à sua contemporânea, morta prematuramente.
Transcrito do Jornal Estado de Minas
26/11/2007




Erros pontuam nova compilação de Clara Nunes

A bela ilustração de Axel Sande que adorna a capa de Guerreira é o único traço de originalidade em mais uma compilação de Clara Nunes (1942 - 1983) editada pela EMI Music. A atual é dupla e inclui 28 gravações da cantora selecionadas por Ricardo Moreira com ênfase nos sucessos já incluídos em coletâneas anteriores. Contudo, há três erros entre as poucas informações fornecidas pela compilação. A faixa Canto das Três Raças é de 1976, tendo dado título ao álbum lançado por Clara naquele ano, e não de 1979. Da mesma forma equivocada, o fonograma de Feira de Mangaio é atribuído a 1971 quando a parceria de Sivuca (1930 - 2006) com Glorinha Gadelha foi gravada por Clara em 1979 para o álbum Esperança.
Por fim, a gravação de Peixe com Coco não foi lançada em 1978, mas em 1980 no disco Brasil Mestiço. Em contrapartida, a nova masterização é de bom nível. Eis (com as datas corretas) as 28 faixas da compilação Guerreira, de título homônimo do (belo) álbum lançado pela saudosa artista em 1978:
CD 1
1. Guerreira (1978)
2. Conto de Areia (1974)
3. Canto das Três Raças (1976)
4. Morena de Angola (1980)
5. Coisa da Antiga (1977)
6. A Deusa dos Orixás (1975)
7. Menino Deus (1974)
8. Tristeza Pé no Chão (1973)
9. Candongueiro (1978)
10. Samba da Volta (1974)
11. Sem Companhia (1980)
12. P.C.J. (Partido Clementina de Jesus) (1977)
13. Ê Baiana (1971)
14. Portela na Avenida (1981)
CD 2
1. O Mar Serenou (1975)
2. Na Linha do Mar (1979)
3. Nação (1982)
4. Meu Sapato Já Furou (1974)
5. As Forças da Natureza (1977)
6. Peixe com Coco (1980)
7. Lama (1976)
8. Pau de Arara (1974)
9. Coração Leviano (1977)
10. Alvorecer (1974)
11. Você Passa Eu Acho Graça (1968)
12. Feira de Mangaio (1979)
13. Juízo Final (1975)
14. Serrinha (1982)
Retirado do blog do Mauro Ferreira,crítico musical:

06 Fevereiro 2009

Nova coletânea


Com novo cd lançado pela gravadora EMI MUSIC , Clara Nunes passa a ter um invejável currículo póstumo de 29 cds no formato coletânea. Em 25 anos após sua ausência, teve pelo menos um cd no mercado a cada ano.
Força de venda, incontestável!
Confira as 28 coletâneas no site homenagem 25 anos:





Três imortais do samba!
Lançado neste mês de fevereiro 3 cds coletâneas com bonitos encartes e contracapas coordenados por Luiz Garcia, executivo da EMI. No pacote, a gravadora lançou compilações duplas de Clara Nunes (1942 - 1983) João Nogueira (1941 - 2000) e Roberto Ribeiro(1940-1996).