Sabiá...Até um dia!

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domingo, 20 de fevereiro de 2011

DVD JOÃO NOGUEIRA 2010


Programa 'Ensaio', com João Nogueira, chega às lojas cheio de histórias e sambas do artista

João Pimentel


"É mais fácil compreender a morte do que a vida. O rio vai para o mar, se transforma em chuva e volta para o rio. Um pai deixa um filho, que vai se tornar pai lá na frente, e o filho dele também nasce, cresce e morre...". João Nogueira filosofa sobre a vida e a morte antes de encerrar o belo DVD do programa "Ensaio", produzido pela TV Cultura e que foi ao ar em 1992, com "Além do espelho" ("Se meu pai foi o espelho em minha vida/ Quero ser pro meu filho espelho seu"), dele e de Paulo Cesar Pinheiro. Em um depoimento emocionante, entremeado por músicas, João Nogueira, no auge da sua forma, conta sua vida, desde a infância no Méier, passando pelos primeiros passos na música, até chegar ao Clube do Samba e à saudade que sentia de Clara Nunes.
O DVD que chega às lojas é um documento precioso, que deveria ser visto por muitos cantores e compositores do samba atual. Nogueira, suburbano, malcomportado, inspirado ao extremo, foi um ótimo compositor - muito pouco cantado nos arredores da Lapa - e, principalmente, um dos maiores cantores do gênero. No programa, acompanhado apenas pelo violão encorpado de Jorge Simas e pela percussão de Freddy, ele deita e rola.
Na abertura, ele canta "Espelho" e lembra o próprio pai, um violonista que fazia festas musicais em casa para amigos músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim.
- Meu pai morreu quando eu tinha 10 anos. Mas sou apaixonado por ele até hoje. Era severo, mas não batia. Com o olhar eu sabia se ele estava satisfeito ou não. Soube há pouco tempo, pelo livro do João Máximo ("Noel, uma biografia"), que ele chegou a tocar com Noel. E se ele não fosse bom não estaria no livro do João - conta. - Eu me lembro dele me levando à Galeria Cruzeiro. Ia lá tomar uma biritinha. Agora virou banco. Neste país, tudo o que é bom está virando banco.
Clara (Nunes) foi muito importante. A morte dela foi talvez o momento mais triste da minha vida
Criado na Rua Magalhães Couto, Nogueira começou a trabalhar como office-boy e vitrinista aos 15 anos, para ajudar em casa. Mas sempre tinha tempo para as reuniões de uma turma ligada a música, comandada por Hélio Delmiro. Já arriscava uns versos quando sua turma do Méier criou um bloco, o Labareda, das cores vermelho e amarelo.
- Fui chamado para fazer o samba do primeiro desfile. Do segundo, do terceiro. O problema é que eu sempre ganhava a disputa e as pessoas ficavam chateadas. Ali, eu fui me profissionalizando, sem saber.
Então ele canta o tal primeiro samba, o ótimo "Entenda a rosa": "Eu já mandei para ela um botão de rosa amarela/ Para fazer renascer o grande amor da vida". A música foi gravada por Elizeth Cardoso. Antes, ele já tinha emplacado outra composição do Labareda, "Espere, oh, nega", gravada pelo grupo Nosso Samba. O sambista lembra com carinho do encontro com Elizeth.
- Eu era amigo do filho dela, o Paulo Cesar Valdez, que ouviu meus sambas e disse para eu procurá-lo para mostrar para a Elizeth. Mas achei que fosse coisa de porre e não liguei. Um ano depois, eu o reencontro, e ele reclama que ficou me esperando ligar. Então, promoveu o encontro com ela e o Hermínio, que estava selecionando o repertório. Cantei 12 sambas, e ele escolheu o primeiro - diz, antes de cantar o lindo "Corrente de aço".
Em seguida mostra "Mulher valente é minha mãe" e "O homem de um braço só", homenagem ao bicheiro Natal, que conheceu quando foi trabalhar em um banco em Madureira. Nessa época, ele já frequentava a Portela, sua escola de coração.
Nogueira conta que durante a ditadura chegaram a acusá-lo de fazer música para o governo, por causa de um samba chamado "Das 200 para lá", gravada por Eliane Pittman, sobre a lei que estabelecia limites do mar territorial, que desagradou o governo americano ("Esse mar é meu, leva esse barco pra lá").
- Saiu na revista "Time" e tudo. E eu trabalhando no banco, duro.
O sambista lembra que seu primeiro LP fez um certo sucesso, o suficiente para a produção do segundo, que o tornou nacionalmente conhecido com "Batendo a porta" e "Eu, hein, Rosa!", esta gravada brilhantemente por Elis Regina. Ele canta as duas e emenda com "Nó na madeira", do LP "Vem quem tem ", de 1975. Nogueira lembra com orgulho que "Mineira", do mesmo disco, foi feita com Clara Nunes ainda viva.
- Clara foi muito importante na minha vida. Ela era uma mulher que alegrava qualquer ambiente. Quando chegava, a alegria estava próxima. A morte dela foi talvez o momento mais triste da minha vida. Tentamos de tudo para mantê-la viva. Eu e Paulinho choramos muito para fazer "Um ser de luz" - diz, emocionado, antes de cantar o samba.

Apesar da emoção, o programa termina em alto astral, com João lembrando a reunião que teve com o jornalista Antônio Carlos Austregésilo de Athaíde para desenvolver a ideia de uma de suas principais obras, o Clube do Samba.


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